Por incrivel que pareça, ontem de manhã, antes da casa acordar, das espirais flutuarem e do soalho ranger, o telefone tocou. Sim, não é o facto de um telefone tocar que torna tudo isto matéria singular. O insólito reside no facto de que: 1º eu não tenho um telefone; 2º ouvi as declarações mais desacertadas; 3º nunca estudei na Sorbonne.
O soalho range - é antiga a minha casa.
Como toca um telefone se não tenho telefone? como toca um telefone amarelo torrado, no centro no meu corredor? ...nunca mais bebi!
- estou? balbucio rouco. Ouço uma musica infernal, vinda do outro lado. Festiva, Balcãs?! Balcãs?! Alguem me liga dos balcãs em festa para um telefone de fio desligado, amarelo. amarelo!
-Sim, está certo no que afirma senhor. Ouvi vindo do outro lado. Lamento informa-lo, mas aqui fala do departamento da Alegria de Viver. disse uma voz de mulher, firme. Em virtude das suas ultimas questões existenciais, continuou, vimo-nos obrigados a estabelecer este contacto.
- boa... respondi. bem quer dizer, obrigado, não sei...
- Pois sim, tendo em conta que tem tentado regrar o irregravel, preocupando-se, a Comissão Instaladora das Celebrações, vem lembrar-lhe a alinea a) do artigo 1º do Código dos que Cumprem as suas Obrigações.
-Ok...diga lá...
-Lembro-lhe, continuou a mulher, que toda a celebração, todo o encontro funciona como uma chama - reúne dois ingredientes e a partir destes consome-se a si mesma. Alegria de viver...meu caro...alegria de viver...julgámos, precipitadamente, verifico, que tinha assimilado isto no seu ultimo ano na Sorbonne. Pois...suspirou...e espero que se recorde também que em virtude deste facto, jamais poderá impor regras, normas, o que for dessas coisas banais, burguesas -, a qualquer celebração, mas, e tão somente, disfruta-la. Aí reside a magia das celebrações, a intensidade dos encontros.
- pois, se a senhora o diz...'tou?! 'tou?. Nem voz nem musica. Mas que mal educada! Como?!
-Piiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii. ouço somente um longo e solitário piiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii.
Estou desolado. Depois do telefonema voltei a dormir. E nunca mais encontrei um telefone amarelo.
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