Sei de um jardim antigo, muito antigo. A variedade das espécies que por lá se encontram tocam uma quantificação próxima do infinito. O jardim é cuidado. Está a cargo, de uma estirpe notável de homens e de mulheres, coadjuvados pela arte da música e das belas representações visuais - a arte do desenho e da pintura, da arquitectura e das alquimias interiores. Chamam-lhes poetas ou artistas, filósofos ou escritores, lunáticos ou nefelibatas. Eu sei do Jardim. Mas não sei de nada disso - limito-me, tão simplesmente, a passear pelo Jardim. Não poderei negar, no entanto, que sei que estes senhores, catalogados nessa fiada de nomes... artistas, filósofos, escritores, lunaticos...dedicaram-se, ao longo dos séculos, a aprofundadas investigações. Estudam as sementes da Língua, a musicalidade das composições concretas, a hibridação das formas, a visualidade da caligrafia. Sei que conhecem e trabalham - alguns intuitiva outros cientificamente, a genética das pétalas e dos caules, que dominam a subtil poética da floração e da polenização, da combinação e da poda.
Notaveis são os canteiros que povoam este jardim: ora organizados em paragrafos, ora em singelos haikai, ora em longas prosas poéticas. Pelo Outono, encontrei já - flutuando ao ritmo helicoidal dos caprichos do vento quente - silabas soltas, já desgastadas pelo uso nos tempos do Verão. Continuo a achar que devem ter pertencido a poemas de amor, ou a canções. São muito requesitados.
Confesso que que gosto de me demorar no labirinto barroco, onde dos caules de buxo despontam poemas simples, arrojados na visualidade e recordando sempre a vanitas. Vanitas condição de toda a materia que se escapa à perene fragrancia da Arte. Arte e de viver.
Já me disseram, e posso dizer quem: um dos filantropos que poda o canteiro dos contos fantásticos - homem singular e reconhecido pela sua capacidade de hibridação das sementes linguisticas, que para lá do labirinto barroco começa a floresta da filosofia moderna. Nunca estive por lá, mas todos os que passeiam no Jardim sabem que é, por natureza, concentrada e emersiva. Que dos troncos das árvores que nela habitam - fortes e estruturados, brotam acutilantes conceitos, duros e perenes como as agulhas dos pinheiros. Essas que somente se suavizam na intimidade do orvalho. Soube que os caminhos que cruzam a floresta são estreitos, e por vezes enganadores. Contam as estórias, que muitos por lá já se perderam - incapazes de gerir a arte do nexo e da alegria de viver.
Sempre que me sento no jardim dos poemas barrocos, penso na floresta da filosofia, e na curiosidade que em mim desperta. Mas por outra razão, é verdade. O filantropo dos canteiros do fantástico falou-me de um recanto, por lá perto, no fim do caminho estreito, onde brotam bambus, gigantes árvores exóticas e flores de dimensão e fragrância ímpar. É destas que se soltam, quando são tocadas pelo vento, koans e as palavras simples, capazes de de-estruturar toda a realidade. Já houve quem se tenha aventurado por lá. Dizem. E diz-se, também, que se tornaram pessoas realizadas.
Talvez um dia siga pelo caminho estreito e perfumado que atravessa a floresta da filosofia.
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