segunda-feira, 12 de setembro de 2011


tenho um bule preto, vidrado como um céu de uma noite de verão. Encontrado entre coisas mil, sem sentido ou destino, o bule preto japonês esperou por mim numa dessas feiras dos dias quando o dia da semana diz em seu nome não haver já feira. Acompanha-me nas minhas leituras, no silêncio dos meus pensamentos, nas tardes de um outono que se anuncia na luz que escorre pálida, pelos muros do final da tarde. Perfumado, exala lugares de todos estes mundos sonhados em postais ilustrados, partilhando na intimidade do calor o segredo das folhas que dentro de si vê abrir.
A primeira vez que o usei, negando-me lavar do seu interior a sua história, descobri singular surpresa. Um seixo de praia tão negro quanto o bule, rolou ao sabor da água fervente vertida.pude vê-lo sob a superficie opalina da água, lá no fundo. Nesse fundo do bule, no interior onde abrem as flores, estão duas linhas cruzadas. essas que contam histórias a quem sabe ler os seixos, essas que se desenham na palma das nossas mãos quando o tempo nos revela o destino.Ou essas que desenham em marca o tempo das nossas expressões: depois do esgar da morte, todos os rostos regressam à sua expressão - aquela que corresponde à topografia das rugas. Nunca tirei o seixo do fundo bule.
Julgo que as linhas brancas são as suas nervuras, desenhadas em cruzado.veios, rasgos, ramos, veias, rios, desenho, traços riscados, cicatriz. Nunca o saberei. Sei somente que cada vez que observo o fundo nocturno do meu bule, vejo um céu sem fim, chumbado a azul e cortado por nuvens: vejo o singular o instante dos encontros, quando numa outra profundidade se manifesta a nossa.

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