quinta-feira, 30 de abril de 2009

p de paraiso e p de promessa

Soube que na sua juventude a senhora trouxera consigo Um corpo desejado pelos homens e grato à volupia. E ainda hoje não há quem deste não se lembre no bairro branco antigo que se debruça sobre o rio. Enquanto O trouxe consigo, O corpo, a senhora cumpriu o fado do desejo, e bem, honrando o calor que lhe corria no sangue. No entanto, mesmo nesses tempos activos, entre cada dia da sua vida, passava uma noite sentada, na poltrona carmin que herdara do tio africano. Na verdade, pouco sabia do antigo dono dessa poltrona sua companhia e que numa manhã de Agosto lhe chegara numa grande caixa de madeira, acompanhada de uma carta sumária, reduzida à estrutura linear das relações de sangue entre o antigo e a nova proprietária.
Quando a conheci, a senhora perdera já O corpo, cedido às noites de vigilia e entregue no curso dos anos aos designios do tempo. É curto o tempo dO corpo. Então, a silhueta do que o tempo e as noites ainda não tinham levado, desenhava-se curvada, todas as manhãs, no banco preto da rua do final do Paraíso. Sobre um livro.
No bairro, onde ninguem lia, a rara actividade constituia matéria para as mais cavalgantes ficções sobre a senhora dO corpo ido. Entre estas, contava-se que nunca fechara os olhos. Nunca. E que por isso, subitamente num dia santo, deixara de ser capaz de olhar para as pessoas. Só via os livros. Castigo diziam uns, alegria sentiam outras, saldando na suposta desgraça a inveja antiga. Inveja dO corpo.
Quando a senhora me olhou com os olhos que nunca se fecharam a senhora disse.
Recorda-te sempre, o amor é uma promessa. e nesta vida somente em duas situações se cumpre: nos livros e nas crianças.
E cada um só vê o que é.
Nunca mais vi senhora no banco do Paraiso, a ler.

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